sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Hoje perdi (61)

Perdi. Ando a perder todos os dias. Não o consigo evitar. Já não sei onde mais procurar. A esperança, essa que deveria ser a última a morrer, escorre-se depressa por entre as minhas mãos. Mas não é só a esperança que vai desaparecendo a passos largos. As coisas que tinha de bom, estão a desaparecer pontualmente, e tudo aquilo que não tinha de mau, começa aos poucos a entranhar-se no meu ser. Nunca pensei chegar a este ponto, a odiar-me mais do que já odiei alguém. Antigamente era um monstro em tudo aquilo que escrevia, e nesse mesmo monstro tentava compreender o mundo, compreender-me, e tentar iluminar um pouco mais a vida de quem me rodeia, em suma: era um monstro controlado e com fome de elevação; agora? Já não. O que mais temia aconteceu, estou a descontrola-lo, agora faz parte da minha vida. E com ele nada aprendo. A vida, aos poucos, está me a vencer bem...Ainda não desisti, mas nunca fui aquilo que sou agora. Costumava ficar feliz com aquilo que me tornava. E mesmo até à pouco tempo estava no lugar certo, mas ultrapassei o limite, e agora: exagero. Exagero-me.
Fiquei marcado. Esta cicatriz já só dói às vezes. Mas vai queimando forte quando queima.
Acabei por me tornar naquilo que mais temia: em vocês. Ou terei sido sempre assim? O que me está a faltar? O que me está a motivar este monstro?
Apetece-me chorar, mas tem estado difícil. Têm surgido alguns momentos, mas depois nada acontece, sobra a frustração. Maldita seja toda a frustração, seja em que ramo for, seja em que situação for.
Quero mudar-me outra vez mas tudo o que sai dos meus lábios é - Desculpa. Desculpa. Desculpa, não sei o que se está a passar. É como tocar o paraíso e o inferno no mesmo dia.
Vesti uma armadura demasiado dura; que me protege e me vai afastando ainda mais de quem amo. De quem me ama.
Eu vou morrer, e isso não me importa; mas o que estou a viver, da forma como estou a viver é que me importa. Quero que chegue o frio que cobre Lisboa, o frio que não nos deixa sair de casa; estar sentado aqui, a saborear o processo do aquecimento.
Houve um dia em que já fui sensível, que da minha maneira fiz a diferença da maioria dos demais. Esse dia já passou. Agora sou outro; e esse outro...Odeio estar e ser assim.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Hoje plantei uma árvore (62)

A vida ás vezes é demasiadamente acessível para o nosso ser complexo. E por complexo não quero fazer passar um elogio, pelo contrário. A complexidade tende a destruir, no seu geral. Depois também existem as complexidades que fazem com que o mundo evolua, e que só alguns conseguem descodificar, como na Ciência, Economia, Saúde, etc, etc.
Hoje plantei uma árvore. Quando compro uma garrafa de água, o que tento evitar ao máximo: pois vou sempre enchendo em casa (ou noutro sítio qualquer), compro sempre a mais barata. Na altura não penso na água que vem na garrafa naquele momento, mas sim no seu preço e nas vezes que vou utilizar a garrafa para saciar a minha sede. Porém hoje comprei uma garrafa de água da Serra da Estrela. De facto soube-me muito bem, mas não foi essa a parte interessante que me fez escrever este texto. Esta água em concreto, (desconheço se existem outras que façam o mesmo), e não quero com isto fazer qualquer tipo de publicidade à marca, mas sim ao projecto em si, permite ao consumidor, depois de a ter comprado, de em aproximadamente 60segundos (e não estou a exagerar neste tempo), plantar uma árvore em um dos vários sítios que nos dão a conhecer.
Hoje plantei uma árvore. Um gesto tão rápido como ver o nosso correio electrónico, como cantar um refrão, como fumar um terço de um cigarro, como um beijo rápido a meio de uma conversa. Fantástico não é? Em 60 segundos, através do site da água da Serra da Estrela coloquei o código da garrafa que comprei, sem gastar dinheiro, sem compromissos. Num clique ajudei a plantar uma árvore. Todas as pessoas que já fizerem este gesto (sejam as vezes que forem) ficam lá registadas, e confesso que fiquei feliz ao ver que muitas pessoas já ajudaram e ainda ajudam. Este é projecto um feliz que dura todo o ano.
Hoje, eu, lisboeta, criatura que vive numa selva de betão (e pouco mais), plantei uma uma árvore. Quantos de nós já deitaram fora a garrafa sem perder 60segundos a fazer a diferença? Eu acordei hoje. Espero que vos tenha ajudado a acordar. Ajudem todos a fazer essa diferença - Obrigado.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Possivelmente mais um outliner (63)

Existem coisas na vida às quais nos habituamos. Algumas são más outras boas, outras excelentes outras péssimas. É a vida não é verdade? Depois existem aquelas coisas que nos fazem pensar, tornar maior, minimizar, que nos fazer arrastar blocos de rocha enormes em qualquer direcção e que nos fazem rastejar por algo que nos afaste do que estamos a sentir. E essas coisas, muitas vezes, não têm um "final", não têm uma resposta, uma solução. São coisas que por muito que estejam presentes (seja a curto, médio ou longo prazo) nunca são recebidas e aceites na nossa habituação. E esta é a batalha, sem derrota talvez, talvez sem vitória, que batalhamos talvez todos os dias e noites. São nos sonhos que nos aparecem sem quereremos enquanto dormimos, nos pesadelos enquanto dormimos; são os sonhos que nos preenchem ou que nos esvaziam. O que quero dizer, em tom aberto na minha escrita, é que, existe uma complicação grave entre todas as seguintes palavras: fazer, pensar, desejar, sentir, falar, repensar, fugir, chorar; ter saudades, refazer, lutar, deixar, conquistar, reconquistar, acabar, começar; e para juntar a tudo isto, assim em estilo de rota de colisão todo um conjunto de "sinais" (de forma harmoniosamente bela ou apenas harmoniosa). Custa saborear tudo isto ao mesmo tempo. Porque fica tudo por explicar e tudo por ser organizado. Fica tudo por viver. Não sei que dizer. Perdi-me. Estou oficialmente perdido nos pensamentos que coloco no papel...Queria receber da vida um ponto de exclamação, uma vírgula, um ponto de interrogação com uma resposta no seu seguimento...
Ao que vejo, tudo o que me chega, são reticências. O que me deixa a ruminar, grotescamente escrito, é ter de duvidar de várias frases e sensações que já tinha como adquiridas, e mais importante ainda: como certas. Sim, é claro que posso estar errado. Possivelmente estive-o a maior parte da minha vida. Talvez tenha vivido vendado, e tudo o que me ia na alma, era dito de forma cega. E tudo o que fui, fui-o de forma peculiar, como se fosse um cego a descrever a paisagem que imagina. Pode ou não estar certa, ou ter fragmentos de verdade ou não, mas quais seriam as probabilidades de estar muito completa? Firme? Ao que me apercebo: nenhumas.
O mais triste? Talvez só eu possa tirar esta venda, e preparar-me para não ficar cego à luz da realidade. Aos poucos preciso de saber, aliás, preciso de aceitar, que estou errado. Custe o que custar: errei. Errei-me. Sou um erro. E talvez depois, aos poucos perceba o que ainda posso fazer por mim, e pelos outros.
Isto é só de mim ou o mundo ergue-nos ao mesmo tempo que nos rasteia? Poderá alguém sentir o mesmo que eu? É que quero aprender se estão todos em barcos diferentes ou se apenas eu estou no barco errado...Porque agora, consciente da minha pobreza, sei que não estou no barco mais iluminado, por muito que tenha pensado estar.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

As minhas sombras estão de volta (64)

Elas voltam sempre. Voltam sempre. O grande problema em lidar com as sombras, é que independentemente de já as conhecer, não vai ficando mais fácil. E se existem alturas em que aguenta-las não custa assim tanto noutras alturas custa muito mais. Demora a chegar a total calma...e se por um lado não fico a olhar o tecto durante longos períodos a verdade é que fico a olhar para outras coisas, pela noite dentro. Quando dou por mim estou a adormecer ou a deitar-me a curtas horas de todo o resto da casa se levantar. Não existe consolo em nada, pois nada nem ninguém me sabe dizer quando isto vai terminar. Todos nós temos sombras, umas mais dolorosas que outras, umas com maior capacidade de travar a vida que outras...Também não podemos ser só luz não é? Algo me diz que esta pergunta está incompleta. E que a resposta nada teria haver com o que penso realmente.
E vai-se repetindo tudo,
o que já foi visto, dito, escrito, fotografado. Enfim, dê Deus paciência e força a quem realmente precisa Dele.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Run sheep Run (65)

Ontem vivi no vosso mundo, e vive a vossa rotina. Às treze e dezanove corri, e corri ainda mais, saltei, e corri, para apanhar o barco...Depois, às dezoito horas e trinta minutos, corri, saltei e corri ainda mais, sendo quase esmagado pelo fechar de duas portas de aço (revestidas com borracha) para apanhar o metro...Depois, às vinte e uma e trinta e pouco corri, corri muito, que nem um louco, para apanhar o autocarro. Tudo no mesmo dia. No que me estou a tornar? Fui mais um no centro do rebanho. Não gostei da sensação. Não gostei de ser igual a vós, de fazer parte da vossa espécie. Dei-me repulsa. Tanto correm todos vós...seria uma piada de mau gosto dizer que não precisam de correr para a morte? Que ela, talvez, já esteja à vossa espera? Julgo que não. Corri. Corri muito. Sempre ser pelo prazer de correr. A sofrer nas minhas calças de ganga pretas, com alguma roupa excessiva dado o frio...O mp3 a saltar dentro do bolso, o passe quase a fugir...
Tanta correria. O mais triste é que todos corremos para metas comuns, colocadas na nossa mente por patrões ou patroas similares...Mas talvez o dinheiro seja o verdadeiro líder. Who cares? Onde vamos parar?
Eu sei. A uma vida sem recheio, a um vazio certo...acabaremos por nos tornar escravos de algo que nem sequer gostamos...e para quê? Digam-me vocês. As pessoas pensam que ter vida é viver à pressa, consoante tarefas por nós aceites (muitas vezes sem nosso consentimento)...Esta máquina mundial está em sintonia apenas em maus aspectos. Louvado seja o monstro que há em mim, se e só se, se e só se ... se e só se...
Enquanto correm: eu estive aqui a observar. Boa viagem para algo parecido, nem que muito ao de leve, nem que muito exagerado, para a vossa mini auto-destruição. (Todos vamos morrer um dia não é? Talvez o erro seja meu.)

Medo! (66)

O Diogo avança muito devagar pelo mar a dentro. Muito devagar. Está frio. Para mim o mar está sempre frio. Segundo o meu amigo Varela (adorador eterno do mar) o mar está sempre quente. Gostava de sentir o mar como ele sente. Para mim, mesmo nos dias em que supostamente está mais quente, continua frio como...apenas frio, gelado. Penso sempre que é desta que vou partir para o outro mundo com um ataque idiota de hipotermia. Já apanhei um susto uma vez. Saí do mar, aliás do rio...e não parei de tremer durante quase uns trinta minutos. Várias pessoas colocaram toalhas em cima de mim. A minha namorada encheu-me de calor corporal, mas estava difícil. Mas como já disse, foi apenas e apenas só um susto. Mas o Medo! não é esse. Com o frio aos poucos começo a ficar familiarizado...e é tão ou mais constante em mim do que o calor. Aqui o Medo! é outro. Desde pequeno, sabendo ou não nadar, algo que sei, o suficiente para sobreviver, apesar de não saber nadar de forma profissional ou bela, é deixar de...sentir...o chão. Talvez seja mais responsável do que penso; ou será covardia? Eu não sei. Sei que no momento é que vou avançando, vou de forma cautelosa...não por ter medo de morrer, mas sim por ter Medo! de deixar de sentir o chão. Não consigo explicar melhor do que isto. Quando estou no mar, piscina ou rio, se por algum momento sinto que não consigo tocar no chão entro num pseudo pânico. E faço todos os possíveis, dando ou não nas vistas para recuar os centímetros, decímetros necessários para voltar a estar na minha zona de segurança. Por segundos entro nesse Medo! que me deixa à deriva nesse pequeno metro quadrado que para todos os outros comuns mortais é normal. (Menos para mim)
Sei que não me vou afogar...mas mesmo assim. A vida é estranha? Não. Mas talvez eu seja.

domingo, 17 de outubro de 2010

É triste a clareza que a morte traz às nossas vidas (67)

A morte...é raro na minha vida ter discussões que envolvam a palavra morte. Na maior parte dos casos tudo não passa de uma injecção forte que dou a quem me ouve, onde o líquido é um conjunto de crenças minhas, umas melhor justificadas que outras. As pessoas pouco ou nada me têm a ensinar sobre a morte. As únicas que pessoas que podiam alterar o que sinto ou penso sentir, o que sei ou o que penso saber, são as pessoas que já cá não estão. E Deus, existindo ou não, (mesmo acreditando que sim) também não ajuda nesta matéria.
Alguns, como também já foi (ou talvez ainda seja o meu caso), acreditam em sinais de outras vidas. Portanto...
Desde tenra idade deixei de temer a morte. Em grande parte por tudo o que penso saber ou sentir. No entanto isto não quer dizer que lhe abra os braços na primeira oportunidade. Gosto muito de viver. E como costumo dizer, para desgosto de alguns: todos os dias são bons para se morrer. Temo sim deixar pessoas que amo para trás. Talvez me assuste a forma de morrer. Mas o que mais me assusta realmente é aquilo que posso vir a fazer sentir nas pessoas depois de morto. Porque quando esse dia chegar, em princípio, serão alguns aqueles que verão com clareza, a falta que lhes posso fazer; aquilo que escrevi e que nunca mais escreverei. A minha voz. O meu toque. O meu olhar. A minha estupidez. As coisas boas e más que fiz...não quero que se lembrem apenas do que fiz de bem. Porque o ser humano, na hora pós-morte gosta de salientar apenas o bom, o que também não me agrada. No entanto, será bom, ser a vez de outros sentirem comigo o que já senti com outros. Mas eu não desejo que se queimem da mesma forma que eu, ou que outros já se queimaram. Não. Eu espero, como espero desde que tomei consciência que o ser humano é um ser tão racional como emocional como idiota, que vós, quem seja que o vós seja, aproveitem-me agora. E assim, na minha morte, apenas recordem, sem arrependimento, apenas com saudade, e com tranquilidade de alma.
É triste a clareza que a morte traz às nossas vidas. Esta frase saiu-me tão profunda como dolorosa.
Mais uma vez a reflexão do monstro derrubou a mediocridade humana que vive no erro e no atrito.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Sessenta e oito

(Se me pedissem que me definisse numa só palavra confesso que hesitava entre parvo e estúpido. Apenas pela simples razão, de como a maioria, confundir as duas palavras. Não é uma coisa boa nem má, apesar de a encontrar como essência da minha autenticidade. Para o bem ou para o mal, sou assim, e de certa forma, neste sentido, não espero mudar. Pois é o que sou, e o meu melhor eu dá-se a mostrar nessa mesma forma. Digo isto, porque muitas vezes é agir de forma parva e\ou estúpida que me leva a compreender o erro que estou a cometer, como foi agora o caso. Revolta-me um pouco ver pessoas a não ultrapassar barreiras, sejam lá elas díficeis ou não. Revolta-me ainda mais ver pessoas que criam as próprias barreiras...Isolando ou mesmo matando a sua liberdade. A minha raiva maior é ver-me a cometer esse erro. Eu escrevo o que quero, e da forma que quero. E quando escrevemos...(como deveria ser na nossa vida toda, que o é, apesar de ignorado) temos a liberdade de criar o que queremos. Para quê cingir-me às regras a que me imponho só por cingir-me? Porque não utilizar o poder que tenho, (que todos temos), e fazer aquilo que me vai na alma? Quando daí só advém algo melhor? Por estupidez. Pois hoje não serei estúpido, e à minha maneira, matarei saudades, da forma que posso. Sairei feliz? Não interessa. Ao menos tentei.)

Foi com um misto de alegria e tédio que atravessei o rio Tejo. Já era de noite, e a maioria dos portugueses já tinha jantado, e estava agora em frente à televisão vendo Portugal jogar. Aconteceu algo quase tocante: perguntei ao meu irmão como estava o resultado. A partir desse momento tive direito a uma descrição curta mas eficaz do jogo, dos golos, da forma de jogar de ambas as equipas. Foi um momento, de forma muito peculiar, feliz. O interesse pela selecção morreu há muito tempo. Sigo o futebol que dá pelo prazer de ver bons jogos a nível europeu e mundial assim como de seguir a equipa do meu coração, esse dito glorioso, o Benfica. No entanto, algo mudou com a entrada do Paulo Bento. Sempre o respeitei como treinador. Alguns acharam que era um salto demasiado grande coloca-lo à frente da selecção. Até agora tudo indica o contrário. E apesar de ainda não vibrar com a selecção da mesma forma como vibro com o Benfica, a Alemanha, Brasil, Holanda, (a Itália dos bons velhos tempos ou mesmo a Inglaterra), a verdade é que está a renascer em mim um português.
E é isto. Foi bom estar de volta...ao meu ambiente. Porque há coisas que nunca mudam.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Estalar de dedos que me desperta (69)

Acordo, estende-se o dia à minha frente. Aproxima-se o Outono, a chuva, o frio, o vento; o Inverno. Darei suficientes graças por estar vivo? Às vezes sim, em situações pontuais. Nas arestas imensas que me falta limar até me tornar num monstro mais perfeito, ainda me falta dar valor à saúde sem ser apenas quando me encontro na doença; ter fé nos momentos todos e não só quando preciso de algo mais; dar valor ao que tenho sem ser por observar à minha volta quem está pior.
Em algumas coisas estou bem melhor que muitos. Não preciso de perder alguém para lhe dar o devido valor. Disso já me fartei. Engolir em seco ou secar lágrimas depois de nada mais haver a fazer já não me chega. Disso já me fartei. Se nem na morte temos ainda a certeza de ser uma despedida para sempre para quê forçar outras despedidas? Coloco músicas a tocar para realçar a exclusividade do momento; desde músicas grosseiras de guitarra e bateria grotescas, onde viajo sem sair do sitio, a músicas épicas. Desvalorizo e valorizo a raiva. Desvalorizo e valorizo o ódio. E antes que possa agarrar algo mais que me foge pelos dedos...desligo-me. Ou sou desligado. A essência é a mesma, a única coisa que muda é a culpa, se existir. Para a maioria basta o chamado sentimento. Eu não sou a maioria. Portanto, ou estou longe de sentir a profundidade do que já sentiram ou sentem, ou estão vós um pedaço enorme atrás de mim.
E vou-me perdendo nas razões que me movem as pernas, perdido por voltar a pensar que sou como todos os outros em todos os pormenores. Até me podem ir tentando provar que não sou; mas nunca será a mesma coisa. Se me pudesse acordar enquanto estou a dormir faria-o sem hesitar. Aguardo pelo estalar de dedos que me desperta.

domingo, 10 de outubro de 2010

Falta (70)

Sinto falta. Falta de tudo. Sinto falta da Apologia do meu eu, onde residia toda uma descrição, um desabafo real. Sinto falta de me abrir ao mundo daquela forma simples. Tinha um espaço só meu, uma espécie de diário público, onde me ia despindo, e não me refiro à prática concreta das minhas acções, falo de tirar a roupa ao meu ser, da forma que ele é. E apesar da falta que me faz não é por isso que para ele vou voltar. Tento arranjar formas de o substituir, descrevendo situações, inventando histórias, gritando desabafos. Será a mesma coisa?
Não.
Nada é igual a nada. Nada tem o mesmo valor que mais nada. Não existem medidas e pesos para tudo...é difícil compreender-me. É difícil fazer-me sentir de forma a ser totalmente sentido. Se a minha vida fosse como a minha escrita tudo faria mais sentido, tudo teria uma razão de ser. Mas não é.
A realidade é fria?
Não. Mas a maioria julga sentir frieza no realismo. Ainda sonho? Apenas quando durmo. O ser humano deveria ser uma pilha recarregavel. Mas já não é. Deixou de ser. Talvez nunca tenha sido.
Já deram tanto a tão pouco, fitando o vazio quando não conseguiram que quem queriam que vos sentisse vos retribuísse outro diferente pouco.
Na vertiginosa realidade que se abre nesse abismo, nessa tragédia grega, tudo o que podem implorar a Deus é que vos coloque uma pedra no lugar do coração e um icebergue no lugar do cérebro. Faria algum sentido dizer outra coisa qualquer?
Sim. Mas já o disse uma vez: isso mudaria algo?

sábado, 9 de outubro de 2010

A origem (71)

Tudo começou à muito tempo. Eram duas da manhã. Estava sentado a ver televisão...Pânico. Em pormenores que aprendi sozinho, que mais ninguém me conseguiu ensinar, encontrei palavras úteis para aqueles que me rodeiam. Existem momentos na vida que percebemos que somos alguém, momentos em que a nossa mão se estende, além a fronteira da teoria e que de facto somos importantes. São pormenores como disse. A vida é feita deles. E tudo começou nessa noite. Nunca mais fui o mesmo. Tive medo nessa noite, como vários de nós têm durante a sua rotina. Hoje continuo a temer voltar a sentir o que senti. O que mudou em mim? O monstro nasceu...antes tudo era um nome, um título, um chamamento. Depois? Era uma origem, era um acto, era um texto. Nas minhas veias corria sangue, agora corre um sangue que é frio e morno e quente, de forma similar à situação. Não direi nunca que foi a origem do mal nem do bem, foi a origem da pessoa, do monstro que me tornei para sempre. O ser humano deveria absorver a realidade, beber dos acontecimentos que o rodeiam. Eu absorvo ainda mais, eu bebo como se nunca conseguisse matar a sede. Sou feliz como sou? Não sei ao certo. Não me imagino de outra forma. Não deixo que controlem o que bebo, nem que me embebedem. O futuro é incerto. Nada é tido como absoluto, eterno. Sei unicamente que nasci e vivi toda uma vida para chegar a isto, ao que sou agora. Amante levado ao total possível, mas mais frio. Se pudesse aquecia o mundo da mesma forma que o gelava sem pestanejar.
Pedi que me desenhassem um monstro, mas não conseguiram. Procurei em todo o lado e nada me satisfez. Precisarei de colocar uma imagem na minha alma? Carimbar o sentimento? Escrever, falar, agir, tudo ao mesmo tempo? Lamento pensar que progrido sozinho, nesta batalha cinzenta entre o bem e o mal, entre o avanço e o retrocesso...Ceifo o arrependimento da mesma forma que ceifo a saudade. Não desejo a ninguém uma tentativa frustrada de matar uma Hidra,um monstro mitológico que, tendo uma de suas cabeças cortadas, fazia crescer duas no seu lugar...Onde vamos parar?

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Maynard James Keenan em dueto (72)

Um grito não vale mais que mil palavras, nem dez palavras, nem que palavras, mas também pode valer. É como imagens que valem mais que puro ouro nas nossas mãos; como pequenos pedaços de divino nos nossos olhos, no nosso ombro. Um grito vale o mesmo que o silêncio? Pode valer. Avalio pessoas, avalio situações. Avalio-me como monstro. Tento rotular o mundo todo? Dificilmente. É um grito que lanço em sintonia, durante vinte um segundos...que não aguento gritar. Vale o esforço? Não. Vale a vontade com que se gritou. Num dueto imaginário com a nossa alma e a alma de quem o deu. Um grito profundo que nasce nas trevas do nosso ser. Pela responsabilidade de se viver, de se ter um trabalho, de nos aplicarmos a ele com afinco. Por nos desligarmos da responsabilidade embalados no lodo que nos rodeia. São precisas palavras para descrever o que sentimos? E o que gritamos? E o que ficou por se dizer? E o que se disse a mais sem necessidade ou sentido?
Mas quem está comigo? QUEM ESTÁ COMIGO? GRITO SOZINHO OU GRITO COM MAIS ALGUÉM? QUEM TRANSFORMA ESTAS MALDIÇÕES EM OURO? QUEM APROVEITA ISTO COMIGO?
QUEM?QUEM??!!QUEM?!QUEM ESTÁ COMIGO?
QUEM QUER USAR PARA SEMPRE ESTA COROA? QUEM? ALGUÉM?
Às vezes rastejamos sem saber...nem sabemos bem no quê, porquê.
Esse grito valeu bem mais que muitas palavras. Que imagens. GRITO NAS PAREDES DESTA ALMA NA OUSADIA DE NÃO LAMENTAR COMO OUTROS, TRISTES OUTROS QUE LAMENTAM PARA SEMPRE.
Aprendi pouco, nada ensinei. Em palavras concretas: não estou sozinho. Por outras palavras: quase preferia estar. Em resumo, queria ser outro. Ser outro e não mais desejar.
GRITA

Face me (73)

Sussurraram...falaram. Não chegou. Gritaram-me aos ouvidos! Gritaram sem parar! Veio uma melodia forte para me completar os dias. São dias que passam sem lugar na minha história. Gritos, verdades ditas, verdades explicitas, palavras malditas que me atordoam os sentidos, que me revoltam. Viveste um sonho? Sonhaste-o. A maioria das pessoas acorda-se, sorri do sonho que teve. A maioria sorri do sonho que teve e vive o dia como se nunca o tivesse tido, tenta-o esquecer. Mas tu foste diferente, dizem em voz alta como se o mundo não aguentasse vivo muito mais tempo, tu acordaste com uma só vontade, concretizar o sonho da noite passada! Chove intensamente na rua, e o temporal aproxima-se aos poucos. São carros que parecem pairar no ar, e árvores que querem fugir do chão. As pessoas nunca pareceram tão frágeis...seremos feitos de papel? Somos feitos do quê afinal? Músculo, carne, tecidos sobrepostos, orgãos...? Encaraste o sonho da mesma forma que um recém nascido encara a vida. Com um sorriso de quem não sabe o que verdadeiramente o espera. Ingenuidade? Eu chamo-lhe fraqueza. Realidade? Eu chamo-lhe cobardia.
Continua a gritar até ficares com a voz rouca. Até que este fim do mundo deixe o planeta despido, sem roupa, com toda a culpa aplicada no ser humano. Chegará o dia que cantam; chegará a atitude prática dos gritos que proclamam. Fui longe de mais. O meu erro? Não ter ido mais longe ainda...Que vos sirva de lição; que vos sirva de entretenimento.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Um milhão de luzes a trespassar um corpo (73)

Não exagero sentir-me bem neste momento, onde estou em pé num local de pessoas sentadas e outras como eu em pé. Reconheço a maioria dos rostos. Mas também não é isso que interessa. Eles estão cá pela mesma razão que eu: felicitar o homem que está naquele pequeno palco rectangular que não deve ter mais de três vezes quatro metros. Ele sorria. Quem me dera estar no lugar dele, mas estava feliz sem qualquer inveja, pois é um amigo meu, e ele merece mais do que ninguém. Todos esperavam de forma atenta o momento em que começaria a falar. Esta era a apresentação do seu livro, o primeiro de alguns esperava ele, e tê-lo escrito era a maior vitória da sua vida. A sala respirava entusiasmo. Conseguia ver, no meio daquela pequena multidão, os seus pais, e a sua irmã. Pressinto que o seu irmão também ali estava, mas não o consegui encontrar. Os seus amigos também lá estavam, e outros familiares mais próximos. Colegas, vizinhos, conhecidos. Estava uma sala satisfatoriamente composta. O meu amigo colocou-se de frente para todos, depois de ouvir abaixado umas últimas palavras do organizador de todo aquele momento. Sorriu para todos, senti-o completamente feliz...E na sua voz, mais alegre do que nervosa, como se já tivesse feito isto mais do que uma vez começou:
Antes de mais quero agradecer a presença de todos aqui. É um enorme prazer partilhar este momento com todos vós. Estou aqui para apresentar algo com o qual sonho há muitos anos! E antes de o fazer quero agradecer a duas pessoas que sempre me apoiaram; sempre, nunca duvidaram que este momento pudesse de facto ser possível, sempre acreditaram em mim, obrigado. Se aqui estou hoje foi em grande parte graças a essa fé na minha escrita. Quero também agradecer a todos os que me leram, criticaram, e de certa forma, à sua maneira: cresceram. E eu cresci. E muito. Tudo o que posso dizer de mais honesto é que existem dois tipos de escrita (e que não importa se é prosa ou poesia): aquela que escrevemos para nós (que pode ou não ser real, verdadeira) e a que escrevemos para os outros. O que espero, é que na que escrevi para mim, outros possam nela encontrar algo de útil, ou de belo, pois nem sempre essas coisas podem estar em sintonia. Em relação ao que escrevi para todos os outros que vos seja especialmente útil, e se possível belo. Quero agradecer aos verdadeiros, aqueles que me aceitaram como monstro, e que no monstro encontraram algo palpável, suficientemente forte para ser agarrado com unhas e dentes e mãos de dedos fortes. Quem me aceitou como sou, e com isso aproveitou o melhor de mim, é a esses que me dedico e é por esses que me tento elevar cada vez mais. Acrescentar ainda, que o mais importante, concretizado este sonho, é chegar a todos os possíveis que puder chegar, e tentar dessa forma fazer alguma diferença. A quem me ama, agradecer a quem me fez companhia na escuridão, a quem ficou comigo, para depois, a seu devido tempo, me ajudar a sair dela. Quem ficou comigo na escuridão...
O meu amigo calou-se. Todos ficaram a olhar para ele. O que se passaria? Eu sabia. Só podia ser uma coisa. Segui os seus olhos. Tinha acabado de entrar uma pessoa na sala. Só podia ser. A cara dele oscilou entre várias feições. E de repente, para quem pensava já ter visto aquele homem na felicidade mais pura, depressa se apercebeu afinal que aquela felicidade era muito pequena...Senti-o completamente feliz. Já o tinha visto assim outrora. Acabou de falar, sem tirar os olhos de quem entrara, e passado uns minutos retirou-se. Todos aplaudiram. Naquela sala ficaram todos os que lá estavam menos duas pessoas.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Na varanda do Céu (74)

Não conseguirei imaginar lugar mais impressionante. E é engraçado pensar nestas coisas do ponto de vista de qualquer outro ser humano ou mesmo monstro. Pensar que esse lugar impressionante não impressionaria mais ninguém, ou muito poucos, porque muita da magia que aplicamos a um lugar depende só de nós, e a sua importância e beleza deriva de algo que está dentro do nosso ser, chamem-lhe coração, ou alma, ou mesmo razão. Por isso não posso transmitir, na totalidade do sentimento, aquilo que senti. Será tudo um esboço muito leve, quase imperceptível, de uma realidade difusa, de um sonho que se torna mentira, névoa, recordação. E mesmo que conseguisse transmitir este lugar, com toda a clareza, que sentiriam todos vós? Nada, ou com alguma sorte, alguma melancolia sorridente que nem sequer é vossa.
A vista poderia, a outros olhos, parecer tediosa, prédios de quatro ou cinco andares, não me recordo com clareza, e uma pequena rua por onde passam carros apenas de quem lá vive, com pequenos espaços para estacionamento; algum verde e um sol que se escapa por entre os prédios. E o sol sorria-me, talvez como nunca me sorriu antes, e aquecia-me os braços nus. Mesmo não sendo minhas, limpei as beatas do chão. Aquele chão era demasiado belo e puro para estar sujo com algo tão estúpido. E eu fumava, dois cigarros pela sede que faltava saciar. Mas a vontade não era ficar ali por muito mais tempo. Não. Mas o tempo que ali passei, em pé a fumar, a contemplar toda a calma do mundo, toda a harmonia do mundo, como se por momentos não existissem guerras, nem morte, nem doenças, nem pobreza...eu era o centro do mundo, eu era um ser em paz e em sintonia com a felicidade. Algumas pessoas dizem que o frio é psicológico. Algo que é contrário à exacta Ciência. Ao contrário do que possa parecer é com ela que concordo, no entanto, ali estava eu, de boxers e meias, e uma long-shirt fina e arregaçada, numa manhã de menos de oito graus, sem frio.
Naquela varanda, uma varanda única, onde o Céu regia todas as leias do Homem e do Divino, eu estava bem. Na varanda do Céu eu fumei sem a fome de um fumador, e respirei como só um homem livre na sua felicidade pode respirar.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

A peça que poderia faltar mas que sempre aqui esteve (75)

Demorei algum tempo a descobrir isto. E verdade seja escrita que muito procurei eu por este momento. Sabe-o Deus e sabem outras pessoas. Foi uma luta incessante, desgastante, e apesar de agora ter por um lado terminado, dado que descobri por fim a peça que pensava faltar, a realidade é que falta o mais difícil. O ser humano gosta de dar lições, injectar palestras. Não digo que as faça mal, ou apenas por fazer. A realidade é outra. Falar é simples. Fazer? Não é complicado, mas é mais complicado. Na maioria do tempo que gasto a viver, gasto-o ligeiramente revoltado, frustrado...abismado talvez. Não sei definir ao certo. Sei que tenho cometido erros. Alguns grotescos, outros mínimos. Mas também não é por isso que festejo esta descoberta. A minha descoberta teria muito mais valor se fosse sentida por pessoas que sentem da mesma maneira que eu. E essa mesma descoberta tem tanto valor, e chego a esta conclusão com toda a humildade possível, por várias razões, como outra descoberta qualquer. Não vivo em busca da receita concreta e infalível da felicidade. Até porque nesse assunto encontramos outras sub-ideias. "Está dentro de nós"; "É destino", seja lá o que tudo isso for. Não, não é isso. É perceber que estou um passo mais próximo de alguma coisa. Faltou-me alguma peça nos passos que dei? Serão algumas peças mais essenciais que outras? Queria dizer que sim, garantir que sim...Eu tentei mostrar isso a muita gente...Com gestos, palavras, teorias, razões...sonhos. Consegui trazer pesadelos quando apenas cria mostrar uma realidade melhor. Então de que me serve absorver esta peça? A razão humana esclarece-me de forma fria: as peças têm todas a mesma importância. Que seja. Esta frieza já me magoou mais. Já me magoou, já me iludiu, já me deixou dormente...e nas trevas escuras vagueei. Agora, tudo o que sei é que encontro na vossa verdade fria um pequeno aconchego, encontro uma razão de esculpir uma armadura capaz de me manter forte o suficiente para prolongar a minha loucura de ser como sou, sem medos, e de me manter fora do alcance de quem está onde não deveria estar. Por isso, com um sorriso simples mas não forçado agradeço a vossa franqueza...a vossa frieza, a vossa verdade, a vossa ideia geral da realidade...Graças a todos vós, graças ao meu Deus.
E reformulo toda a minha existência numa peça que julguei perdida. Sei que esta peça me fez falta...e duvido que a tenha encontrado para sempre. E duvido que a consiga levar a todos, quando a mim mesmo é complicado levar, entender completamente. Dizem-me com uma quase felicidade que os círculos perfeitos não existem...e que a perfeição é um mito...Noutras circunstâncias talvez tenha concordado com todos vós. E lutei contra o que pensei estar errado...longe de mim para sempre. Porque lutei tanto? Pela mesma razão que o Homem se levanta todos os dias...Se conseguirem amar os defeitos do outro, segura-los como se fossem qualidades, e aguentar outros pequenos e grandes fardos, lutando e amando de forma a que tudo consiga ter o rumo pretendido, valorizando o bom e desvalorizando o mau...então, caros leitores, cara alma,

não sentirão nada mais (e é o tudo) que um círculo perfeito nas vossas mãos.